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Cia Fusion de Danças Urbanas estreia espetáculo “Pai Contra Mãe” no CCBB-BH

Pai Contra Mãe” é inspirado no conto homônimo de Machado de Assis e traz para a dança discussões sobre a escravidão e suas feridas ainda abertas, racismo, machismo e violência contra a mulher. A montagem pode ser conferida entre os dias 2 e 12 de dezembro, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH).

 

Há 128 anos, com a assinatura da Lei Áurea, o regime escravocrata foi oficialmente abolido do Brasil. Comparativamente, o tempo é menor em relação ao período em que a escravidão aconteceu legalmente no país: aproximadamente 360 anos. E, por mais que tenha se passado quase um século desde a abolição da escravatura, a soma desses anos deixou abertas feridas de difícil cicatrização, como o racismo e a violência contra a mulher, em especial a mulher negra. Com o objetivo de lançar luz sobre estas questões, a Cia Fusion de Danças Urbanas encontrou no conto “Pai Contra Mãe”, escrito por Machado de Assis em 1906 – apenas 18 anos depois da assinatura da Lei Áurea, mas que se passa ainda na década de 1860, antes, portanto, da Lei do Ventre Livre –, inspiração para o espetáculo de dança de mesmo nome. Com temporada de estreia marcada para acontecer entre 2 e 5 de dezembro e de 9 a 12 do mesmo mês, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a montagem reúne elementos da cultura negra para denunciar a escravidão latente em suas mais diversas formas.

Duas situações conflitantes conduzem o enredo do texto machadiano que inspirou o espetáculo, que se configura como um convite à reflexão sobre temas que perpassam a vida em sociedade: de um lado, uma escrava grávida foge de seu senhorio com o sonho de ver o filho livre - uma vez que o fruto de seu ventre também estava condenado à escravidão; de outro, um homem livre da senzala descobre que vai ser pai, mas, devido às suas condições precárias de vida – como a pobreza e a fome –, vê na captura da escrava fugitiva a chance de dar um futuro ao filho, devido à recompensa que lhe seria dada. “Esta história parece datada, mas pode ser facilmente transportada para os dias atuais, em que muitos brasileiros continuam sendo escravizados e violentados de diversas maneiras. Até hoje, feridas da escravidão do passado ainda não se cicatrizaram e se multiplicam pela associação de antigas, porém persistentes, e novas mazelas da nossa sociedade, como o racismo, a violência, o sexismo, a ânsia pelo poder e a vaidade humana”, analisa Isadora Rodrigues, integrante da companhia e produtora do espetáculo.

Para retratar situações tão complicadas, embora recorrentes, os bailarinos Leandro Belilo – que também assina a direção –, Aline Mathias, Augusto Guerra, Isabela Isa-Girl, Jonatas Pitucho, Silvia Kamylla e Wallison Culu (que faz assistência de direção) vão construindo as cenas a partir dos movimentos das danças urbanas, em coreografias criadas de forma colaborativa. Durante o espetáculo, o grupo problematiza temas como o racismo, a violência, a perpetuação da pobreza e suas relações com a história do Brasil por meio das coreografias pautadas em variadas linguagens provenientes do universo da cultura negra e urbana. 

A trilha sonora do espetáculo foi construída a partir de criação original por Matheus Rodrigues e de eclética seleção musical proposta por Leandro Belilo, que reúne desde rock pesado ao samba de Elza Soares. A música “Maria da Vila Matilde”, do álbum mais recente de Elza, A mulher do fim do mundo, não foi escolhida por acaso: ela vai ao encontro da proposta da coreografia de lançar luz sobre questões relacionadas à violência, neste caso, a violência doméstica contra a mulher. Sobre a relação do conto com as questões de gênero, vale dizer que, mesmo tendo sido escrita há bastante tempo, a obra já discutia questões que ainda hoje reverberam contemporâneas, como as diferentes formas de se tratar um homem e uma mulher na sociedade. “Ainda que de forma bastante sutil, a discussão sobre gênero já está colocada no texto do século XIX, e, agora, neste espetáculo do século XXI, fica escancarada. Esse assunto é um dos pontos mais importantes da construção desta montagem, fazendo, por isso, bastante sentido que fosse pontuada no título do trabalho”, explica Isadora Rodrigues, integrante da companhia e produtora do espetáculo.

A escolha de “Maria da Vila Matilde”, a propósito, foi “abençoada” por sua intérprete. A página oficial de Elza Soares no Facebook chegou a compartilhar o vídeo de uma apresentação da companhia em agosto de 2016, em que o elenco feminino do grupo apresentava o trecho de “Pai contra mãe” dançado ao som da “mulher do fim do mundo”. Com quase 300 mil visualizações, a filmagem foi compartilhada por milhares de usuários do Facebook e vem contribuindo para disseminar o trabalho dos bailarinos e das discussões trazidas por eles para a cena. 

Depois de passar por Belo Horizonte, a Cia Fusion de Dançar Urbanas segue para o Rio de Janeiro com o espetáculo “Pai Contra Mãe” e volta para Minas Gerais, apresentando a coreografia em cidades da região metropolitana e do interior. Em fevereiro, o grupo se apresenta em Nova Lima, e, em março, em Ibirité. A circulação do espetáculo prossegue em abril, com uma apresentação em Uberaba, no Triângulo Mineiro. 

 

Processo de produção e de montagem

Dois anos separam a ideia inicial do espetáculo “Pai Contra Mãe” até a sua materialização final. O trabalho começou a ganhar forma em 2014 com a inscrição do projeto na Lei Estadual de Incentivo à Cultura. No ano seguinte, o grupo conseguiu patrocínio do Fundo de Projetos Culturais da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e do Programa O Boticário na Dança.

Com os devidos patrocínios, a companhia deu início, em 2015, às leituras do conto de Machado de Assis e às primeiras trocas de ideias para a construção do espetáculo. Nessa fase, o grupo contou com núcleos de consultoria nas áreas de Literatura - para os aspectos teóricos que envolvem o conto, por meio de encontros com o professor Reinaldo Martiniano Marques, da UFMG; Sociocultural, para discutir o lugar do negro na sociedade e na cultura, com encontros com o ator e ativista Alexandre de Sena; e Técnica, com o bailarino Italo Freitas, em que o elenco pôde aprofundar seu conhecimento sobre a linguagem e os movimentos do Krumping, estilo de dança urbana marcado pelo confronto. 

Os ensaios se intensificaram efetivamente em abril deste ano, quando a companhia passou a ter uma sede própria, localizada no bairro Carlos Prates. Desde então, os integrantes se reúnem diariamente na CAFUÁ – Casa Fusion de Arte, onde acontecem os ensaios. 

 

Sinopse do espetáculo “Pai Contra Mãe”

Sete corpos dançantes trazem ao palco os desafios de ser negro e de ser mulher em uma sociedade ainda desigual e opressora. Inspirado no conto homônimo de Machado de Assis, "Pai contra mãe" busca, por meio da linguagem das danças urbanas, tematizar e promover reflexão acerca de questões que perpassam nossa memória e nosso presente, em que as feridas da escravidão do passado ainda não se cicatrizaram e se multiplicam pela associação de antigas, porém persistentes, e novas mazelas da nossa sociedade: o racismo, a violência, o sexismo, a ânsia por poder e a vaidade humana. 

Teaser: https://www.youtube.com/watch?v=tzsq0x8IQPs

 

Sobre os bailarinos

Leandro Belilo (32 anos) – Diretor e bailarino da Companhia Fusion de Danças Urbanas. Começou a estudar e praticar as Danças Urbanas em 1998, aos 14 anos. Já dirigiu e atuou nos espetáculos “Som” (2009), “Matéria Prima” (2012), “Meráki” (2013), "Quando efé" (2014), “Primeira à esquerda, segunda à direita” (2015) e "Pai contra mãe" (2016). É, ainda, fundador da Cafuá - Casa Fusion de Arte, idealizador do Festival Orbe de Danças Urbanas, estudante do curso de Dança da UFMG e ou integrou o elenco dos espetáculos “Real” (2015), do Grupo Espanca, “Naquele Bairro Encantado” (2012), do Grupo Teatro Público, “Insólito” (2012), “Blacktronic” (2011), do Coletivo Black Horizonte, “Ponto Riscado” (2010), “Quadrinhos” (2010), “Espetáculo de Variedades” (2008), do Festival Mundial de Circo, “A árvore do esquecimento” (2007), do Coletivo FAN da Cena, 2007. 

Augusto Guerra (25 anos) – bailarino. Começou a dançar em 2004, no Fusion Black, que viria depois a se transformar em Cia Fusion de Danças Urbanas, e, desde então, integra o elenco da companhia, tendo atuado nos seis espetáculos do grupo. Augusto é também conhecido por sua atuação em batalhas de improviso, das quais já saiu campeão inúmeras vezes. 

Wallison Culu (36 anos) – bailarino e assistente de direção. Nascido no Aglomerado da Serra, começou a dançar nos anos 1990, aos 14 anos, e hoje também é coreógrafo da Cia dos Anjos. Entrou na Cia Fusion em 2008, tendo atuado no elenco de todos os seis espetáculos da companhia.

Jonatas Pitucho (28 anos) – bailarino. Nascido no Aglomerado da Serra, começou a dançar aos 14 anos e integrou a Cia dos Anjos por mais 12 anos. É integrante da Cia Fusion desde 2011, tendo atuado nos espetáculos “Matéria Prima”, “Meráki”, “Quando efé”, “Primeira à esquerda, segunda à direita” e “Pai contra mãe”. 

Aline Mathias (27 anos) – bailarina. Moradora do Bairro Nova Vista,  começou a dançar em 2011, no Programa Valores de Minas, escola em que foi aluna de Leandro. Entrou para a Cia Fusion em 2016, depois de ser selecionada por meio de audição para o elenco de “Pai contra mãe”. Integra também o Projeto UMA, que visa a propiciar o empoderamento feminino nas Danças Urbanas.

Silvia Kamylla (22 anos) – bailarina. Nascida em Belém, capital do Pará, veio para Belo Horizonte em 2013 por meio de um programa de intercâmbios. É vencedora de inúmeras importantes batalhas de improviso, dentre elas a batalha de Hip Hop do Rio H2K e a batalha All Styles do Fair Play Dance Camp em Varsóvia, na Polônia. Foi convidada pela Cia Fusion em 2016 para integrar o elenco da companhia em seu novo espetáculo, “Pai contra mãe” e passou, neste ano, a integrar também o elenco de “Quando efé”.

Isabela Isa-Girl, 18 anos – bailarina. Moradora do Barreiro, começou a dançar em 2012, aos 13 anos, com as aulas de Breaking. Em 2014, foi aluna do Programa Valores de Minas e, desde então, passou a se destacar no cenário do Breaking em Belo Horizonte, em grande medida dominado por homens.  Entrou para a Cia Fusion em 2016, depois de ser selecionada por meio de audição para o elenco de “Pai contra mãe”.

 

Sobre a Cia Fusion de Danças Urbanas ::

Criada em 2002 por amigos da periferia que gostavam de dançar, a companhia, que surgiu amadora, foi tomando forma profissional a partir do interesse na pesquisa e na divulgação do mais variados aspectos de danças urbanas. Por meio da dança, a Cia Fusion busca a aproximação da cultura de rua – que até hoje é alvo de preconceitos – às outras manifestações da arte. Ao todo, a companhia tem cinco espetáculos estreados: “Som” (2009), “Matéria Prima” (2012), “Meráki” (2013), “Quando efé” (2014) e “Primeira à esquerda, e segunda à direita” (2014).  Com esses espetáculos, apresentou-se em importantes festivais, tais como como Vivadança (Salvador, BH e Vitória, 2014); Verão Arte Contemporânea (2010, 2012, 2013 e 2015); FAN (2012, 2013 e 2015); FID (2015), Virada Cultural de BH (2015), Festival de Inverno da UFMG (2013), Festival de Inverno de Itabira (2012), entre outros, circulou por 18 diferentes cidades de cinco diferentes estados brasileiros e foi assistida por mais de 10 mil espectadores. Em 2014, a Cia Fusion foi vencedora do Prêmio Brasil Criativo na categoria Dança. No ano seguinte, a Companhia realizou a primeira edição de Festival Orbe de Danças Urbanas, e, em 2016, inaugurou sua sede, a CAFUÁ – Casa Fusion de Arte. A companhia foi, ainda, duas vezes vencedora do Prêmio Cena Minas, em 2012 e 2015. 

 

Repertório de espetáculos da Cia Fusion de Danças Urbanas

  • Som (2009)
  • Matéria-prima (2012)
  • Meráki (2013)
  • “Quando efé”(2014)
  • Primeira à esquerda, segunda à direita (2015)

 

Sobre a CAFUÁ – Casa Fusion de Arte ::

Localizada no bairro Carlos Prates (Rua Brasília, 417), a CAFUÁ – Casa Fusion de Arte foi fundada em abril de 2016, com o objetivo de ser lugar de ensaios do grupo e também constituir-se como um espaço alternativo em que se realizam aulas regulares de dança a preços acessíveis, cursos especiais, exposições e apresentações artísticas. A conquista do espaço é considerada pelo grupo como uma vitória, uma vez que, por 13 anos, a companhia contava apenas com parcerias, permutas e aluguéis de espaço para ensaios. Além disso, a Cia Fusion é a primeira especializada em danças urbanas a inaugurar uma sede na capital. É desejo dos integrantes do grupo ainda que a CAFUÁ se torne um espaço onde a arte aconteça não só por meio das danças urbanas, mas também através da música, do teatro e das artes visuais. Para isso, a escolha do local da sede foi primordial, seguindo a luta do grupo pela descentralização do acesso à cultura na cidade. O bairro Carlos Prates já não se encontra no eixo de concentração das manifestações artísticas da cidade, mas, ao mesmo tempo, funciona como um ponto de fácil acesso. Escolhido o local, o grupo, literalmente, pôs a mão na massa. Durante dois meses, os integrantes trabalharam na reforma do galpão para melhor adequá-lo a um espaço de dança, envolvendo-se em todas as etapas da obra, realizada de forma completamente colaborativa. 

 


Foto: Lucas Gregório

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