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Giulia Puntel inaugura Quarks, individual inédita na GAL sobre matéria, som e forma

Confira a programação

Partículas elementares que compõem toda a matéria visível, os quarks dão nome à nova exposição individual de Giulia Puntel, em cartaz na GAL a partir de 2 de novembro. A artista parte do conceito da física quântica para construir um paralelo entre o invisível que estrutura o mundo e o modo como suas próprias obras se formam, em constante tensão entre o material, o som e o sentido.

“Li sobre os quarks em A realidade não é o que parece, do físico Carlo Rovelli, e me identifiquei com essa ideia de algo que não conseguimos ver, mas que sustenta toda a matéria”, conta Giulia. “O nome surgiu no livro Finnegans Wake, do James Joyce, como uma invenção sem sentido literal. Gosto desse estranhamento, dessa ausência de significado direto, e acho que ela conversa muito com meu trabalho. Eles estão dialogando com outros tipos de sentido, como o som, e não com uma narrativa fechada.”

Todos os trabalhos apresentados em Quarks são inéditos, desenvolvidos ao longo dos últimos meses em um processo intenso que mistura diferentes materiais, como tecidos, arames, metais, cordas, resina e outros elementos encontrados. “Meu trabalho gira em torno disso: do modo como junto materiais de naturezas distintas e desenvolvo técnicas para compor com suas diferenças”, explica. A resina, presente em boa parte das obras, endurece tecidos e tramas maleáveis, “fossilizando” o que antes era frágil ou ordinário.

Entre pinturas, objetos e uma escultura, Quarks revela uma fase mais tridimensional da artista, com trabalhos que se relacionam diretamente com o espaço expositivo. “Eles exigem mais do público, provocam outro tipo de relação”, diz. “Antes, minhas obras eram mais contemplativas; agora, elas pedem um corpo presente.”

O texto crítico é de Daniel Arelli (abaixo), com quem Giulia vem trocando ideias desde o início da preparação da mostra. A exposição marca também um reencontro da artista com a GAL, onde manteve seu ateliê entre 2019 e 2021. “Foi lá que meu trabalho se libertou”, lembra. “Na época, eu ocupava um espaço pequeno, uma antiga lavanderia, e aquele lugar me deu a possibilidade de experimentar. É bonito que essa exposição aconteça justamente aqui, onde tudo começou.”

Serviço
Exposição: Quarks — Giulia Puntel
Texto crítico: Daniel Arelli
Abertura: 2/ 11/ 2025 - 15h às 19h
Encerramento: 6/ 12/ 2025
Local: GAL Arte & Pesquisa – Rua Sinval de Sá, 586, 2º andar, Cidade Jardim, Belo Horizonte
Visitação: sob agendamento
Entrada gratuita
Instagram: @gal.art.br

Sobre a artista

Giulia Puntel (1992, Belo Horizonte – MG) vive e trabalha em Belo Horizonte. Seu trabalho se estrutura na experimentação entre pintura e diferentes tipos de matéria, transitando livremente entre linguagens para, ao fim, criar a sua própria. É artista formada pela Escola Guignard (UEMG).

Em São Paulo, entre 2017 e 2021, participou do acompanhamento de pintura com Rodolpho Parigi e Regina Parra e da residência Pivô. Realizou as exposições individuais Desvio (2023, Projeto Vênus, São Paulo), Raio Verde (2022, Projeto Vênus, São Paulo) e Boa Noite Cinderela (2019, Zipper Galeria, São Paulo).

Entre as coletivas das quais participou estão Pulsão (2024, GAL, Belo Horizonte), Quando For Sair Lá Fora (2023, GAL, Belo Horizonte), Ópera Citoplasmática (2022, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba), NOW (2022, Museu Inimá de Paula, Belo Horizonte), Aragem (2021, Projeto Verão, Anita Schwartz Galeria, Rio de Janeiro), Monster High (2020, plataforma online do OLHÃO), Matrioshka (2020, Gomide&Co, São Paulo) e Nine Out Of Ten (2020, plataforma Transe – Fortes D’Aloia & Gabriel), entre outras.

Sobre a GAL Arte & Pesquisa

Fundada em 2017, a GAL Arte & Pesquisa — acrônimo para Galeria dos Artistas/Artes Livres — se consolidou como uma das principais galerias de arte contemporânea de Belo Horizonte, sendo pioneira no estado com um modelo de atuação híbrido e desterritorializado.

Com um olhar atento às novas dinâmicas do circuito da arte, a GAL propõe experiências que transcendem o espaço tradicional da galeria, ocupando lugares diversos na cidade e explorando formatos inovadores de exibição e comercialização de obras.

Ao longo de sua trajetória, realizou mais de trinta e cinco exposições individuais e coletivas, colaborando com museus, instituições culturais e espaços comerciais para expandir o alcance da arte e fortalecer o mercado. Representa um elenco expressivo de artistas, com destaque para vozes femininas e produções emergentes, fomentando a diversidade e a renovação da cena artística.

Mais do que uma galeria, a GAL é um espaço de experimentação e encontro, conectando artistas, colecionadores e o público em um diálogo contínuo sobre arte e sociedade. Sua atuação cuidadosa vai além da exposição e venda de obras, envolvendo a construção de relações sólidas, o incentivo ao pensamento crítico e a criação de oportunidades para que a arte circule de forma ampla e acessível.

Em constante movimento, a GAL segue expandindo fronteiras e redesenhando possibilidades, reafirmando seu compromisso com a liberdade criativa e a valorização da arte contemporânea em suas múltiplas expressões.

QUARKS de Giulia Puntel
Gal, 02 de novembro de 2025

Cosmos. Lixo mastigado por uma estrela-anã. Cama, travesseiro e edredom para insetos. Caixa de ferramentas. Casa de máquinas orgânicas. Imagens de satélite pixeladas. Mesas: de operação, de vivissecção, de controle, de jogos. Instrumentos musicais? Bandeira de um país mirim. Exoesqueletos de plástico e resina. Plaquinhas de alumínio, ligas de cobre e manganês. Ondas de rádio, provavelmente. Disjuntores, fusíveis, circuitos, alavancas: tudo estragado. Um sofisticado sistema tectônico (atenção: tectônico, não hidráulico). Pó de meteorito. Quadra poliesportiva para moléculas bêbadas. Gatos de Schrödinger! Chapas de raio-x de corpos sem órgãos. Fliperama, cartuchos, joysticks: olhando bem, tudo é joystick.

Quarks, de Giulia Puntel, parece ser tudo isso – e, ao mesmo tempo, nada disso. De imediato, o que salta aos olhos nesses trabalhos é seu grande poder de resistir à classificação apressada, à estabilidade conceitual, à fixidez de sentido poético. Eles parecem se instalar num ponto altamente instável, mas igualmente produtivo no qual desmoronaram as linhas de demarcação convencionais entre as linguagens artísticas, entre o estado de artefato e a situação de processo, entre a arte e o jogo. Essas fronteiras são renegociadas e recombinadas a cada trabalho, num exercício a um só tempo lúdico e experimental, aventuroso e delicado. O resultado são objetos singularíssimos, virtualmente indefiníveis, dotados de um notável poder de evocação imagética, cujo processo de feitura parece ainda tão vivo, tão aceso, que temos a impressão de que seria quase possível fazer o caminho de volta, retraçá-lo retrospectivamente a partir do objeto finalizado. E embora sejam muito bem-acabados e conduzidos por um pensamento composicional bastante sofisticado (entre o pictórico e o escultórico, o estático e o cinético, o objeto e a instalação), temos a sensação de que cada um desses trabalhos é apenas uma cristalização possível dentre tantas outras que cada um deles poderia ter se tornado. Neles, o potencial parece estar tão presente quanto o atual. Aliás, é provavelmente aí que reside parte de sua grande ludicidade: sem cerimônia, eles parecem nos convidar para entrar no jogo. Jogo jogado, jogo ainda aberto. Eles são o que são, mas também o que poderiam ter sido – e, quem sabe, o que ainda poderão se tornar.

Um convite para entrar no jogo – um jogo cujas regras, no entanto, não conhecemos de antemão, e que provavelmente são tão indefinidas quanto o próprio jogo. E, apesar de sustentar tanta indefinição, nada em Quarks incita receio, frieza ou distanciamento no observador. Ao contrário, é marcante como esses objetos provocam uma simpatia quase irresistível em nós. Seus materiais simples, sua voluntária precariedade, seu tamanho reduzido, sua elevada carga de humor e ludicidade – tudo isso, em suma, parece convergir para que Quarks se revista de grande potencial expressivo, de uma notável potência afetiva. Numa palavra: esses objetos são eloquentes, eles falam com a gente. Para mim, são fonte de intensa ternura. Ao que parece, a matéria aqui não apenas se acende – ela também se aquece.

Mas talvez seu grande potencial afetivo não seja mais do que a expressão inevitável do intenso amor pelos materiais de que esses trabalhos prestam testemunho. Mais ainda: amor pela matéria, já que virtualmente qualquer resto, resíduo ou refugo de matéria parece poder se transformar em material artístico para Quarks. De certa maneira, trata-se aí de uma forma de amor análoga ao amor do colecionador pelos itens, não raro inúteis e idiossincráticos, que ele preserva e salva em seu acervo. (O colecionador estabelece “uma relação com as coisas que não põe em destaque seu valor funcional ou utilitário, a sua serventia, mas que as estuda e as ama como o palco, o cenário de seu destino” – Walter Benjamin).

Embora tão singulares, os trabalhos de Quarks não estão sozinhos. Não são poucos os pontos de contato que podemos traçar entre eles e certas experiências decisivas da arte contemporânea. A seu modo, esses objetos parecem orbitar a lógica daquilo que Leo Steinberg chamou de plano flatbed, localizável em um espectro considerável de produções contemporâneas: uma superfície de criação horizontal, aberta à múltipla contaminação do mundo, que corresponde aos processos operacionais do corpo humano e se destina mais à criação de imagens explicitamente artificiais e ruídos ópticos sobrepostos do que à feitura de imagens supostamente naturais, autossuficientes, íntegras. É este o território de Quarks: mais ação do que contemplação, mais ruído do que pureza, mais artifício do que natureza.

Quarks também parece querer reatar o fio que remonta aos trabalhos de artistas conhecidos como pós-minimalistas, como Eva Hesse, Richard Tuttle e Phyllida Barlow. Em geral, a poética desses artistas conserva a atenção à materialidade e à relacionalidade entre obra, espaço e observador dos seus antecessores minimalistas. No entanto, eles promovem uma forte guinada em direção à subjetividade e organicidade estéticas, assim como à fragilidade e precariedade dos materiais, o que contrasta frontalmente com o rigorismo geométrico, impessoal, objetivista e industrialista dos minimalistas. (Guardadas as tantas diferenças, trata-se de uma inflexão análoga àquela promovida, entre nós, pelos artistas neoconcretos em relação à arte concreta de um Grupo Ruptura, por exemplo). Penso que Quarks promove uma interessante apropriação e torsão bem-humorada da estética pós-minimalista no nosso contexto artístico-cultural, no qual a fragilidade e a precariedade material inevitavelmente adquirem contornos crítico-políticos.

Originalmente, quark é uma palavra da língua inglesa arcaica que designa o grasnar dos corvos e de pássaros aparentados. Há também uma versão alemã do vocábulo, que designa um tipo de queijo coalhado ou, mais coloquialmente, algo como “absurdo ordinário” ou “trivial”. Em seu Finnegans Wake, romance monumental finalizado em 1939, James Joyce recupera o termo em toda a sua polivalência numa série de versos com delicioso sabor nonsense, num coro de pássaros que zombam do Rei Marcos da Cornualha, marido de Isolda, que, segundo o mito, se apaixona por Tristão. Eis os três primeiros versos: “Three quarks for Muster Mark! / Sure he hasn't got much of a bark / And sure any he has it's all beside the mark”. Em tradução livre: “Três quarks para o Seu Marcos! / Olha, seu latido é tão parco, / e quando late é um grande fiasco!” Em 1964, o físico Murray Gell-Mann emprega o termo em inspiração joyceana para batizar o que seria um dos constituintes fundamentais da matéria. Segundo sua hipótese, os quarks se combinam (com frequência em grupos de três) para formar um gênero de partículas compostas ao qual pertencem os prótons e os nêutrons, os principais componentes do núcleo atômico, até então tido como indivisível. Eis aí a longa e indomável história de uma palavra, da qual esses objetos formam agora o mais recente desdobramento.

Os Quarks de Giulia Puntel talvez sejam mesmo um pouco de tudo isso: uma investigação nonsense; zona de contaminação experimental entre poesia e física de partículas; matéria expressiva, matéria acesa, em processo permanente de recombinação; um coro de pássaros (por que não?) zombando em alto e bom som de um rei que não existe.

Daniel Arelli

Poeta, crítico e professor de filosofia da UFMG

Foto: Pedro Caetano

 

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