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No Novo espetáculo da Cia de Dança Palácio das Artes, inspirado no universo de MANOEL DE BARROS, coisas se humanizam e pessoas se coisificam
“Eu escrevo com o corpo. Poesia não é para compreender, mas para incorporar”. O trecho do livro Gramática expositiva do chão: poesia quase toda, de Manoel de Barrosecoa no espetáculo Nuvens de Barro, nova montagem da Cia de Dança Palácio das Artes. Nesse trabalho, o corpo artístico da Fundação Clóvis Salgado mergulha no universo lírico e brejeiro do Poeta do Pantanal para descobrir, inventar e reinventar a delicadeza, a simplicidade e o realismo fantástico, sempre presentes nos versos de um dos maiores representantes do período pós-moderno da literatura brasileira.
Com direção coreográfica de Fernando Martins e direção cênica de Joaquim Elias e Fernando Martins, e livremente inspirado na obra de Manoel de Barros, Nuvens de Barro é uma coreografia criada de maneira colaborativa entre os bailarinos da Cia de Dança, em mais um processo que envolveu um período de pesquisas. Durante dois meses, o coletivo se debruçou sobre a obra de Barros até encontrar um ponto que unisse a dança e a poesia e indicasse o caminho para o novo trabalho. Serão dois elencos, compostos por nove bailarinos, que vão se revezar entre as apresentações.
Inspirados pelas metáforas de Manoel de Barros em que coisas se humanizam e pessoas se coisificam, os bailarinos passaram a identificar e criar movimentos que refletissem o imaginário poético da obra. Desse processo, surge uma coreografia inventiva e inventada, em que os bailarinos permitem ser permeados por um universo lírico e ocupam outros corpos, criando algo híbrido, mutável. Ora transformam-se em peixes dançarinos, ora em pedras que se tornam pássaros; que se tornam homens. Elementos cênicos como maçãs e plantas ganham vida e se transformam em novos objetos – ou corpos–, que também interagem com os bailarinos.
Por beber da fonte de Manoel de Barros, o espetáculo tem um direcionamento mais leve, evocando a delicadeza dos textos que inspiraram a coreografia, como explica o diretor artístico da Cia de Dança, Cristiano Reis. Ele também esclarece que a proposta é fazer com que o público possa criar uma relação afetiva com o espetáculo, ao reconhecer e interpretar elementos cênicos na coreografia. “Manoel de Barros evoca muito a infância em alguns de seus poemas. O que nós queremos com essa montagem é poder, além de transmitir a delicadeza dos versos por meio da dança, criar uma relação afetiva no público, já que o universo dessa montagem pode ser compreendido e imaginado por qualquer pessoa, tendo ela vivido ou não uma cena ou situação identificada durante o espetáculo”, destaca.
O nome da nova coreografia também é uma alusão às metáforas de Manoel de Barros. A ideia é unir dois elementos que já possuem um significado explícito e criar um terceiro, quase irreal ou inimaginável. A nuvem transmite a leveza, o lado delicado do trabalho. Já o barro é a parte mais pesada, mais palpável. “Quando estávamos pensando no nome da coreografia, esses dois elementos surgiram de uma forma muito nítida para nós. Então, decidimos uni-los, criando as ‘nuvens de barro’, um diálogo interessante com o realismo fantástico do Manoel”, explica Cristiano Reis.
Caminhos diferentes para a criação – Os convidados para conduzir a montagem de Nuvens de Barros compartilham de diferentes experiências no universo literário de Manoel de Barros. Joaquim Elias assina a direção cênica junto com Fernando, e é um profundo conhecedor do trabalho do poeta. Já Fernando Martins, diretor coreográfico do espetáculo nunca havia unido a dança e a poesia em seus trabalhos.
Cristiano Reis explica que a escolha de diretores com perfis tão distintos se deu por uma necessidade de trabalhar a nova coreografia a partir de um olhar mais amplo. Ao unir elementos típicos da narrativa teatral, como a poesia, o diretor percebeu que o espetáculo também precisava de um acabamento físico, com símbolos e elementos próprios da dança.
“Convidamos o Joaquim, que tem uma grande vivência no teatro, e uma profunda intimidade com a obra de Manoel de Barros para alinhar e, em alguns casos, direcionar as pesquisas e as criações dos bailarinos. O Fernando já é o oposto, como ele nunca havia trabalhado com algo parecido, ficou responsável por desenvolver a vivacidade e a fisicalidade nos bailarinos, a partir das criações em conjunto com o Joaquim”, explica Cristiano Reis.
Técnica, pesquisa e dança – Para encontrar o caminho da montagem coreográfica, os diretores, que nunca haviam trabalhado juntos, desenvolveram diferentes técnicas com os bailarinos. Joaquim Elias iniciou as atividades com a preparação corporal e cênica do grupo. Por meio das leituras constantes, cada bailarino identificou elementos na obra de Manoel Barros que pudessem inspirar um movimento. “Eles conseguiram entender toda a coisificação presente nesse universo ‘manoelino’ e, a partir daí, começamos a criar os movimentos, sempre inspirados nessa questão da coisa como realidade, na coisa como um outro corpo a ser ocupado”, diz.
Já Fernando Martins aplicou no grupo uma técnica denominada Brain Diving, mergulho cerebral, em livre tradução, que consiste em conectar corpo e mente e transformar essa conexão em movimento. O grupo passou, então, a pensar como dar fisicalidade e realismo aos elementos identificados anteriormente nas oficinas com Joaquim. “A intenção não é ilustrar a obra de Manoel de Barros. A intenção é despertar essa conexão nos bailarinos e ajudá-los a criar os movimentos a partir da imagem que vem à cabeça. O Brain Diving foi essencial nesse processo, pois ele é uma técnica para que as pessoas reconheçam seu próprio código de movimento”.
Um novo palco – Em 45 anos de história, esta será a primeira vez que a Cia de Dança irá se apresentar no teatro João Ceschiatti. O ambiente intimista, característico do tradicional teatro no complexo cultural do Palácio das Artes, cria um cenário perfeito para que os bailarinos transmitam para o público toda a leveza e afetividade da coreografia.
Por ser um espetáculo que utiliza menos recursos cenográficos, Nuvens de Barro pode circular por outros locais, possibilitando que mais pessoas conheçam o trabalho da Cia de Dança Palácio das Artes, como explica Cristiano Reis. “Esse novo espetáculo tem uma característica muito importante, que é esse formato intimista. Isso nos permite pensar além e fazer com que a Cia de Dança não fique somente em Belo Horizonte e se apresente em outros palcos, tanto de Minas quanto do Brasil”, finaliza.
Figurino, cenografia, iluminação e trilha sonora – Outros componentes cênicos também refletem a interação entre corpos e objetos. O figurino, por exemplo, criado pelo diretor de arte Rai Bento e a assistente Renata Alice, traz fortes referências à simplicidade da vestimenta dos povos camponeses ao mesmo tempo em que reproduz a silhueta de peças mais urbanas, mas sem deixar claro o que define cada estilo. Tecidos delicados e transparências reproduzem a ideia de movimento e leveza. As cores das peças também evocam o ambiente natural de Manoel de Barros, com predominância de tons terra, ocre e com leves toques de verde musgo.
Já o cenário do espetáculo é construído a partir de um olhar mais voltado para texturas lembrando cascas de árvores e pedras. Enquanto a iluminação cênica remete tanto aos raios de sol quanto às sombras.
A trilha sonora mescla composições instrumentais, de autoria do músico Rodrigo Salvador, a trabalhos de outros artistas da música nacional, como Tom Zé, que foram selecionadas por Fernando Martins. A proposta de Rodrigo é criar um ambiente sonoro que combine o peso dos instrumentos de percussão, como o tambor, com a leveza da viola caipira, da kalimba e da rabeca, para dar a sensação de que algo pesado e, ao mesmo tempo, sutil, recai sobre os bailarinos no desenrolar da coreografia.
SINOPSE:
NUVENS DE BARRO se inspira no universo poético de Manoel de Barros para recriá-lo nos corpos em movimento. Tomando como pretexto suas palavras "poesia não é para compreender, mas para incorporar", foram dadas formas a um mundo em que realidade e imaginação se misturam. Penteamos os corpos até não serem mais corpos, até ficarem à disposição de serem um pássaro, uma borboleta, uma pedra. Como andarilhos errantes buscamos um quintal perfumado que mora na cabeça, onde o humano se coisifica e as coisas se humanizam... a ludicidade, o humor, e a sensibilidade do poeta são evocadas, pedindo permissão para “voar fora da asa”.
Foto: Paulo Lacerda
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