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Zuza, ex-menina de rua, lança o livro “Divã de Papel”

Por Rogério Zola Santiago* Maria de Jesus da Silva (Zuza), ex-menina de rua em Belo Horizonte nos anos 1960, lança seu livro DIVÃ DE PAPEL na Academia Mineira de Letras, rua da Bahia, 1466. O lançamento será no dia 29 de outubro, terça-feira, a partir de 18h30min. Provando que inteligência não tem classe social, esta obra de memórias denunciativas, mas, bem-humoradas, foi reconhecida pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e pela Universidade de Ottawa, no Canadá, onde foi tema de estudo de pós-doutoramento da professora Ivete Walty, “Testemunha Estomacal, Fome e Escrita”. O lançamento de “Divã de Papel” corresponde ao sonho de vida inteira de Maria de Jesus, resultante de luta ferrenha em prol do resgate da identidade perdida. Na PUC – Minas, os originais à mão, em caderno levado por Vera Lúcia Felício, tornaram-se tema do Mestrado de Gislene Ferreira Silva, cuja análise leva o título “Anotações marginais – memória, mediação e espaço na narrativa de testemunho”. O gênero “testimonio” (“testemunho”, em espanhol) colhe relato dos excluídos e aproxima o povo da literatura embasada na linguagem oral e na técnica do relato jornalístico. É feita uma retomada do que se chamou “New Journalism”, nos anos 1960, época em que a revista REALIDADE inaugurava no País a reportagem baseada na transmissão de fatos intermediados de maneira personalista pela emoção dos autores. É o que ocorre no Divã. Homenagem – a publicação da obra de Zuza, que se diz “identificada e encantada com os ‘causos’ do mineiro Olavo Romano”, hoje presidente da Academia Mineira de Letras, homenageia este escritor e contador de estórias. Ela diz: “ele está dinamizando a Academia, ampliando as atividades e valorizando quem usa a astúcia da oralidade, oferecendo aos leitores uma comunicação mais simples e direta.” Na verdade, a tendência de valorizar a linguagem oral vem do exemplo de um dos mais sérios concursos literários do mundo, o CASA DE LAS AMERICAS, realizado em Cuba, que já premiou o gênero “testimonio”. De Minas, temos Olavo Romano, Laura Medioli, Maria de Jesus da Silva, Carlos Herculano, Luiz Fernando Emediato (em seu livro sobre a juventude dos aos 1960), e Fábio Lucas (em Mineiranças, apreciado por jovens estudantes universitários), a corroborarem este estilo literário-jornalístico em alguns de seus textos que oferecem sentimento e informação numa literatura de qualidade, porém, acessível. De saudosa memória, atuaram nesta linha, por meio de crônicas para jornais, Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga. Mais recentes, o jornalista Roberto Drummond, com seus contos e crônicas esportivas, e Oswaldo França Júnior, com seu livro Jorge, um brasileiro, escrito na primeira pessoa, sob a ótica de um caminhoneiro. Sobre autora e obra - Zuza, mineira da cidade de Guanhães, veio para a Capital na companhia da mãe e sete irmãos e irmãs, “todos com o estômago colado às costas”. Iriam aventurar-se pelos bairros nobres da cidade e pelo Mercado Central em busca de restos, contando com a ajuda de famílias tradicionais da época, citadas no livro, mas também sendo vítimas de perseguições, “malefícios e mazelas”. Após traquinar pelas ruas de BH numa época em que se podia ser pedinte sem matar, assaltar e usar drogas, Zuza e sua irmãzinha Eustáquia, numa referência ao conto “João e Maria”, são enganadas pela mãe que as convida para passear e ganhar balinhas, mas, seriam na verdade abandonadas em um colégio interno. Décadas após, a autora conseguiu, em um caderno e à mão, redigir um texto sobre o ocorrido de modo envolvente. Especial emoção fica reservada para o desaparecimento de uma de suas irmãs, a quem ela dedica a obra e pede o impossível: que Conceição leia seu Divã e retorne ao meio familiar. É tocante a presença da árvore magnólia, que dava sombra aos desvalidos de então, depois de longas andanças. Na verdade, Zuza transforma dor em poesia, gritando por meio da escrita, durante processo psicanalítico. Descoberta pela professora Vera Felício, a escritora memorialista adentrou o mundo acadêmico há três anos, com suas páginas às vezes pontilhadas por lágrimas que por cima lhes caíam. Mas, sem pieguice, com força narrativa, Zuza revela aos leitores como foi expulsa de uma escola que, na época, funcionava como casa de detenção. Desde a expulsão, seus retidos documentos estão perdidos. Na visão de Ivete Walty, Zuza recupera por meio de Divã de Papel sua identidade destroçada. Trata-se de leitura imperdível que, segundo Gislene Ferreira Siva, “em boa hora inclui agentes políticos, relações de poder, injustiças e desmandos que permeiam a brasilidade”. Cenas como a da boneca de papel crepom que vira bucha ao cair na água (como uma identidade dissolvida), e a daquela em que a pobre menina se olha no fundo escuro de uma caixa d’água lodosa, a procurar-se, fazem desta obra um marco que pode dar teatro e cinema. Trata-se de mais um sopro de alento sobre o panorama criativo de Minas e do Brasil, quiçá na literatura da população oprimida da América Latina. Divã de Papel, através da ANOME Livros, de Wilmar Silva, chega-nos com o apoio de, dentre outras entidades, da Associação Brasileira de Médicos Escritores, Regional Minas Gerais; e do COMUC – Conselho Municipal da Cultura de Belo Horizonte. * Para contatos e mais informações: Maria de Jesus da Silva, (ZUZA) – 34512598 ou 87200472; Prof. Ivete Walty (USP, PUC e Ottawa), 33378014; Prof. Vera Felício, (PUC e UFMG), 25155521 ou 99710078; Prof. Gislene Silva – (PUC) – 33922038 ou 93243539, Rogério Zola Santiago (PUC e Universidade de Indiana), 33447739 e 98544568, e Juíza e escritora Maria Inês Chaves de Andrade, tels. 33440214 ou 97072203. Escreveram sobre o Divã de Papel (textos e monografias contidas no livro): Ivete Lara Camargos Walty, Doutora em Literatura Comparada e Teoria Literária pela USP, com pós-doutourado na Universidade de Ottawa, Canadá. É professora do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas e professora aposentada da Faculdade de Letras da UFMG. Pesquisadora do CNPq, desenvolve, no momento, o projeto “Literatura Comparada e polis: rotas alternativas”. É autora dos livros “A literatura brasileira na rua” (Editora da UFMG, no prelo), “Corpus rasurado: exclusão e resistência na narrativa urbana” (Autêntica) e “O que é ficção” (Brasiliense). Publicou ainda outros livros, em coautoria, na área de ensino da literatura e da leitura, entre eles “Palavra e imagem: leituras cruzadas” (Autêntica) e “Tipos de texto, modos de leitura” (Formato), além de capítulos de livros e artigos em periódicos nacionais e internacionais. Juíza Maria Inês Chaves de Andrade, Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito de UFMG, autora da tese A FRATERNIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL; bolsista do DAAD na Ludwigs-Maximilians Universität, em Munique, Alemanha; autora de “Sacia Perereca” (infantil); “Bárbara Bárbara” (romance); “A Suindara” (poesia); “A Plataforma Continental Brasileira” (Direito do Mar), além de vários artigos e capítulos em livros sob coordenação; pós-graduada em Cinema pelo IEC e roteirista do curta “Amor em Si & Bemol”; Maria Inês é vice-presidente do Núcleo de Composição de Parcerias em Projetos e Ações, O Proação, que labora junto a crianças que são, como a Zuza de outrora, cheias de sonhos e sob uma realidade árida e sem projeção de expectativas; é esposa de Henrique e mãe de Jonas e Esther. Vera Felício, Mestre em Letras (Literatura Brasileira) pela Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) e professora aposentada da PUC Minas. É autora de O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha (Editora UFMG / Editora PUC Minas); e do texto “O Vale quanto pesa”, texto publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais (edição especial em homenagem ao Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte, Secretaria do Estado de Cultura de Minas Gerais. Escreveu o livro “Histórias Orais: linguagem de desejos”, texto publicado no livro Vale do Jequitinhonha Cultura e Desenvolvimento. Adolescendo em Diamantina, sua terra natal, e nas alegres carteiras do Colégio Diamantinense, uma redação escolar produzida em homenagem ao escritor Monteiro Lobato, por ocasião da sua morte, premiou Vera com um primeiro lugar na página infantil Gurilândia, do jornal Estado de Minas. Décadas depois, já pesquisadora, Vera mergulharia no Vale do Jequitinhonha, em pesquisa de literatura oral, a palmilhar quilômetros em dez cidades do Alto e Médio Jequitinhonha. Conheceu gente-gente, vivenciou a diversidade cultural, ouviu dezenas e dezenas de contadores. Gravou, anotou, chorou e riu de seus casos, contos, romanceiros, cantigas e histórias. A dissertação virou livro, “O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha”, com seus contos de vivência e sobrevivência contados a crianças; outros, só para adultos. Todos são formas expressivas de transmissão da tradição e da sabedoria adquirida na labuta diária, pegadas que indiciam a construção do futuro. *Rogério Zola Santiago, que coordenou, editou e revisou a publicação de Divã de Papel com as supracitadas mestras e doutoras. Limitaram-se, contudo, a uma leve preparação, a fim de preservar a forma original do texto e sua identidade. Santiago fez estágio em Comunicação Rural no Vale do Jequitinhonha, onde atuou na fundação da AAA - Associação de Artesãos de Araçuaí. É jornalista, relações púbicas e publicitário formado pela PUC; poeta e autor de vários livros, tendo cursado matérias do curso de Letras na UFMG em nível de bacharelado e de doutorado. É Mestre em Comunicação Social pela Indiana University, USA. Foi Professor Visitante nos Emirados Árabes Unidos e Assessor Cultural da Embaixada dos EUA (USIS). Poemas selecionados, de sua autoria, ao lado de poemas de Carlos Drummond e Affonso Romano, traduzidos ao inglês, integram a obra Cairo Traffic, de Lloyd Schwartz, resenhada positivamente pelo The New York Yimes.

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