Notícias

Temporada de estreia de “Perfume”, solo da improvisadora Nicolle Vieira

 

Com apresentações gratuitas, nos dias 7, 8 e 9 de agosto, no Galpão Cine Horto, o espetáculo de dança experimental, que traz como foco de investigação a composição em tempo real, tem inspiração no sentimento de opressão e nas formas de violência vividas pelos judeus, durante o holocausto. A idealização é da bailarina Nicolle Vieira, que trabalhou por anos com diferentes artistas da Itália, Espanha e França, como a improvisadora francesa Claire Filmon, que teve papel decisivo em sua escolha pela improvisação. Desde 2011 a bailarina integra o IDC - International Dance Committee da Unesco. Após longa temporada de trabalhos na Europa, a Nicolle retorna ao Brasil para realizar o solo.

 

No dia 7 de agosto (sexta-feira) estreia “Perfume”, solo da improvisadora e bailarina Nicolle Vieira, com participação ao vivo do duo “Marcela The Post Modern” e direção de Dudude Herrmann. O espetáculo faz curta temporada nos dias 7, 8 e 9 de agosto, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3613 - Horto). Ao final de cada espetáculo, haverá bate-papo com os artistas sobre improvisação e o processo criativo do solo. O acesso é gratuito. Senhas distribuídas até 30 minutos antes da apresentação. Os interessados também podem reservar pelo e-mail perfume.espetaculo@gmail.com. Duração: 50 minutos. Classificação indicativa: 12 anos. Gênero: dança experimental. Este trabalho foi realizado com os benefícios do Fundo Municipal de Cultura.

 

“Era um dia cinzento, frio, chuvinha fina, nebuloso. Logo na estrada já vi os corredores de cerca elétrica e um nó no estômago. Um dia de visita ao campo de concentração nazista e nada foi mais triste, angustiante, desesperador do que isso. E por algum motivo mais do que inexplicado, eu quero voltar!”, descreve a bailarina Nicolle Vieira sua experiência no Campo de Auschuwitiz, que visitou após residência artística de formação para coreógrafos, na cidade alemã de Stolzenhagen, divisa com a Polônia.

 

Essa vivência levou Nicolle a retomar pesquisas que já vinha fazendo sobre a guerra e o holocausto, assuntos que a intrigavam desde pequena, resultando em um primeiro exercício solo, apresentado ao público, no estúdio K77, em Berlim. Ainda não satisfeita, Nicolle decidiu seguir com a investigação. Além do campo nazista, esteve em museus na Polônia, em locais históricos, como os guetos judeus nas cidades de Varsóvia e Cracóvia, encontrou-se com habitantes dessas localidades, o que transformaria o primeiro experimento em concepção para um novo espetáculo. 

 

Não só por ser uma temática inquietante e muito recorrente na pauta de diversos pesquisadores, Nicolle se aproximou do sentimento de opressão vivido pelo povo judeu também por uma necessidade de entender a própria origem. A bailarina é descendente de judeus alemães, família Rosner, que veio para o Brasil muito antes do nazismo. Mas sempre se perguntou se teria algum parente distante que viveu os horrores do holocausto. “Desde pequena tinha um sonho repetitivo: uma menina fugindo de soldados nazistas e morrendo em um campo de concentração”, conta.

 

Deste sonho recorrente da infância e das pesquisas e experiências vividas, nasceu o desejo de revisitar o passado e transformar em arte, esse sofrimento de milhares de homens e mulheres, mortos e perseguidos pelo nazismo, que se estende a diversas minorias, ao longo da história, que de alguma forma, foram vítimas de violência, preconceito e exclusão. No retorno ao Brasil, veio o encontro com Dudude e Nicolle decide montar o solo. “Convidei a artista de dança para dirigir esse processo, porque me identifiquei com seu trabalho, por ela também usar a improvisação. Mas mais do que isso, a Dudude é uma pessoa que quer ver as coisas acontecerem”, explica.

 

A música tocada ao vivo pelo duo “Marcella The Post Modern”, formada pelos músicos Lucas Soares e Fred Calazans, recria um ambiente de memórias e imaginários. Porém, não como ambientação ou trilha sonora. Os músicos, presentes em cena, também fazem parte da construção cênica. Compõem paisagens sonoras que marcam uma dualidade: de um lado, o sofrimento e a angústia; de outro, doces lembranças e a busca de sentido para continuar lutando pela vida. “Neste tipo de trabalho de improvisação com a dança, o maior desafio é lidar com o espaço que a música ocupa, saber os momentos em que ela deve entrar e sair de cena, sempre em diálogo com os movimentos, sempre compondo uma imagem em tempo real", explica um dos integrantes do duo, Fred Calazans.

 

A dança entra no espetáculo como a incorporação de muitas histórias de judeus perseguidos e de outras tantas minorias que viveram e que ainda vivem cotidianamente a violência, representadas por uma única mulher. Segundo a diretora Dudude Herrmann, “essa concentração de muitas memórias em um corpo só faz parte da proposta. A ideia é reunir em Nicolle todo o peso do imaginário que gira em torno do que foi o Holocausto, as guerras mundiais, outros massacres históricos, peso este tão grande, que o corpo não se torna capaz de sustentar”, explica a diretora, que acrescenta: “construir um solo necessita de um corpo com muita gente”, brinca.

 

As artes plásticas, presentes na ambientação cenográfica e figurino, criados por Junia Melillo, também enriquecem a proposta compondo o ambiente necessário para a representação da luta de uma mulher pela vida. A partir desse diálogo entre dança, música e artes plásticas, aos poucos é revelada, em cena, a história de uma vendedora de rosas, que foi perseguida pelo regime nazista e que, apesar das torturas e do cheiro da morte sempre iminente, continuava a lutar enquanto pudesse sentir o perfume das flores. “A luta pela vida é algo universal, que acontece todos os dias, em diferentes contextos. Mesmo regiões que não tenham passado por guerras ou atrocidades do regime nazista, a perseguição, a violência e assassinatos são encontrados pelos quatro cantos do mundo. Muitas vezes buscamos esquecer essas realidades. A dor pode ser insuportável. Esse trabalho é uma forma de levar um pouco de poesia, tornando as lembranças talvez menos dolorosas”, explica Nicolle.

 

Segundo a bailarina, o nome “Perfume” vem, portanto, desse lugar contraditório e híbrido da arte, dessa possibilidade de ver rastros de beleza e poesia naquilo que provoca dor: “(Em Auschuwitiz) havia rosas por todos os lados, rosas no vagão que levava os prisioneiros, na câmara de gás. Porém, esse não era o único cheiro ali. Lembro-me de quando entrei, era como se eu conseguisse sentir o cheiro de todos que ali morreram. ‘Perfume’ é um contraste, uma possibilidade de perseguir a beleza, o poético apesar de todo sofrimento, um antídoto a despeito da guerra que vivemos todos os dias”, diz.

 

SOBRE NICOLLE VIEIRA

Apesar de pouco conhecida ainda no Brasil, Nicolle Vieira já possui um longo percurso dentro da dança contemporânea e da improvisação, fora do país. Bailarina, coreógrafa, diretora e pesquisadora, começou a dançar aos três anos e meio de idade com o balé clássico, passou pelo jazz até chegar ao contemporâneo. Formada em Psicologia, quando terminou a graduação decidiu dedicar-se inteiramente à dança e às artes de um modo geral, buscando novas experiências e possibilidades, ocasião em que se mudou para a França e obteve os títulos de mestre em dança e em filosofia pela Universidade Paris 8 Vincennes – Saint Denis. Atualmente, Nicolle está cursando o doutorado no departamento de filosofia da Universidade Paris 8 em cotutela com o departamento de artes da UFMG, cujo tema de pesquisa é  "Tornar-se Improvisador”. Durante seus anos no exterior trabalhou em diferentes projetos com diferentes artistas como, por exemplo, Claire Filmon, improvisadora francesa que teve papel decisivo na escolha pela improvisação como via principal de trabalho. Desde 2011 a bailarina integra o IDC - International Dance Committee, da Unesco. Nicolle desenvolve diversos trabalhos mediante colaborações internacionais com artistas da Itália, Espanha, França, entre outros, além de participar frequentemente de eventos internacionais. A volta para o Brasil se deu por diferentes motivos, mas principalmente pelas dificuldades encontradas em ser artista imigrante na Europa em crise. Além disso, a parceria com o Duo instrumental Marcella The Post Modern começou em 2010 para criação de uma performance de abertura da galeria Myralda, em Sete Lagoas. A partir deste trabalho, vários outros começaram a se desenvolver, como criação de videos-dança (apresentados em festivais internacionais de vídeo-dança) e de outras performances, inclusive com apresentações em Paris e Milão. Reconhecendo a riqueza de poder trabalhar com música ao vivo, a volta ao Brasil também foi uma aposta nesse encontro.

Foto: Cecília Pederzoli

Selecionamos os melhores fornecedores de BH e região metropolitana para você realizar o seu evento.