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Ballet de Londrina comemora 20 anos, com apresentações, em Belo Horizonte e interior de Minas, de dois de seus mais recentes espetáculos: “A Sagração da Primavera” (2011) e “Petrouchka” (2012) – ambos reeleituras da obra do compositor russo Igor Stravinsk

Na capital mineira, encenações ocorrem no dia 19, às 20h30, no Teatro Sesiminas Nas comemorações de 20 anos do Ballet de Londrina, turnê 2013, a companhia apresenta “A Sagração da Primavera” (2011) junto de “Petrouchka” (2012), mais recentes criações do coreógrafo Leonardo Ramos para a obra do compositor russo Igor Stravinsky. Os dois espetáculos, encenados em sequência com intervalo de 15 minutos, compõem o chamado Programa Stravinsky. É com ele que o Ballet de Londrina percorre quatro cidades de Minas Gerais em julho. Nos dias 13 e 14, a companhia paranaense participa do Festival de Inverno, respectivamente, na cidade de Ouro Preto (no Teatro Ouro Preto) e Mariana (no Centro de Cultura SESI), com ingressos gratuitos. Na sequência, o Ballet segue para Belo Horizonte, no dia 19, às 20h30, no Teatro Sesiminas e encerra em Pouso Alegre, no dia 22 de julho, no Teatro Municipal. Em Petrouchka, um triângulo amoroso entre bonecos expõe de forma lúdica os dramas de fantoches humanos. Em uma cidadezinha qualquer, em qualquer tempo, chega um homem misterioso acompanhado de seus três bonecos para apresentar um teatro mambembe. Acontece que a relação entre os fantoches foge dos limites do palco: o desengonçado palhaço Petrouchka amava a bela Bailarina, que preferia o Mouro, que não amava ninguém. O enredo dessa quadrilha, elaborado por Igor Stravinsky e Alexander Benois em 1911, é o mesmo que o coreógrafo Leonardo Ramos utiliza na obra homônima “Petrouchka”. A montagem (de 2012) é encenada junto da peça anterior da companhia, “A Sagração da Primavera” (2011), também pautada em música do compositor. Afora o traço de união musical, assinalado pela inconfundível partitura de Stravinsky convertida ao piano, os dois espetáculos do Ballet transitam por universos bem distintos. Enquanto “A Sagração...” descreve a pungente dor de uma virgem sacrificada para a continuidade do ciclo da natureza, “Petrouchka” passeia por paisagens mais amenas, irreverentes. “Eu procurei que ele não tivesse o clima da ‘Sagração’, que fosse uma coisa alegre, uma farsa, uma brincadeira, apesar do drama das relações”, explica Leonardo Ramos. Em ambos, entretanto, o diretor desenha com clareza metáforas que atualizam a eternidade das obras elaboradas no início do século XX e imprime a linguagem própria da companhia, reconhecida pelas quedas, por movimentos que tendem à horizontalidade e pela pesquisa de novos eixos de equilíbrio. A versão do Ballet de Londrina para “Petrouchka” começa quando os três bonecos, ainda preparando-se para entrar em cena, são animados por um mágico misterioso, um “Charlatão” – como prefere Ramos. Desde então, a coreografia do trio propõe quadros, ora sincronizados, ora díspares, que evidenciam o drama amoroso e apresentam a caracterização psicológica dos personagens. A execução coreográfica exige desempenho teatral sobretudo dos bailarinos Bruno Calisto (que vive Petrouchka), Alessandra Menegazzo (a Bailarina), Vitor Rodrigues (o Mouro) e Marciano Boletti (o Charlatão). Segundo o diretor, “o objetivo é capturar a essência dessas três figuras. A bailarina transita entre os dois o tempo todo e, ao final, ela não faz sua escolha, ela é aprisionada”. Todo o elenco do Ballet de Londrina logo é chamado à cena, incorporando os papeis de pessoas comuns dessa cidade parada no tempo. São os transeuntes da feira, que se preparam para assistir à peça de teatro. Abre-se a cortina da imaginação - trajados de cores vibrantes, o trio de ventrílocos encenam o amor não correspondido e o uso equivocado das correspondências. O espetáculo é, afinal, o próprio enredo da vida desses personagens. E os espectadores não são tão (ou mais) fantoches nas mãos do destino quanto os tais bonecos? O jogo metateatral em “Petrouchka”, demarcado pelo drama dentro do drama ou pela dança dentro da dança, evoca reflexões estéticas perenes na história da arte. Leonardo Ramos consegue extrair essa essência de um enredo aparentemente banal. A linguagem coreográfica traz uma elegância abstrata para a trama, alarga os caminhos de interpretação. A movimentação característica do Ballet de Londrina, horizontal e colada ao tablado, cabe muito bem aos personagens-bonecos que, por sua natureza de objetos, espalham-se pelo chão em movimentos inventivos, por vezes demonstrando a desconexão de partes do próprio corpo. O coreógrafo mostra capacidade de se reinventar dentro dos parâmetros da linguagem. Em “Petrouchka”, aparecem novas possibilidades nos giros rasteiros, na relação de oposições entre os protagonistas e no jogo entre alto e baixo. “Eu me mantenho muito alerta porque o fato de consolidar uma forma de fazer não pode deixá-la repetitiva, você tem de impor desafios, tentar, em cada novo projeto, desconstruir aquilo em que você e os bailarinos já são especialistas”, diz. De acordo com Ramos, enquanto “A Sagração da Primavera” (2011) materializa o ápice da pesquisa iniciada em “Decalque” (2007), “Petrouchka” começa a esboçar as inquietações de um novo caminho. “Eu considero Petruchka a retomada da confusão para novas descobertas. Mudamos inclusive o modo de trabalhar a parte técnica das aulas, isso deve refletir mais adiante”. Na montagem, cenários e figurinos estabelecem interessante diálogo cromático. Os bailarinos inserem-se em um ambiente geométrico, feito com retalhos pretos e brancos. A cidade é o tabuleiro de um jogo de xadrez e ergue-se com a mesma monocromia cinzenta – contraponto para as cores extravagantes dos artistas mambembes. Em “A Sagração da Primavera”, Ballet de Londrina relê obra fundadora da modernidade e consolida uma linguagem coreográfica própria. Não é necessário mais que um palco nu e um grupo coeso de bailarinos para narrar uma história tão antiga quanto o percurso do homem na Terra. É peculiar da própria natureza, aliás, o ciclo que consome tudo o que é frágil, individual e delicado em prol da força coletiva. A morte é o único caminho possível para o florescimento da vida num mundo que se renova às custas de seu próprio fim. O Ballet de Londrina apropriou-se desse movimento brutal para conceber “A Sagração da Primavera”, estreada em 2011. O espetáculo dá continuidade à pesquisa do coreógrafo Leonardo Ramos sobre a exploração da horizontalidade e de novos eixos de apoio e equilíbrio na locomoção dos bailarinos – característica que já ganhou status de linguagem dentro de sua obra e da companhia. “Eu descobri há alguns anos que quando coloco o elenco em pé eu sou convencional. No solo eu consegui expor algo que é novidade até para mim”, afirma Ramos. Outro atributo que se consolida na nova montagem é a utilização de uma obra inspiradora para uma criação coreográfica original - procedimento de sucesso desde Decalque (2007), concebido a partir do roteiro de Romeu e Julieta. Desta vez, o empreendimento é ainda mais ambicioso. A companhia londrinense propõe uma leitura contemporânea para A Sagração da Primavera, considerada a primeira obra de vanguarda que definitivamente escancarou as portas da Europa para a modernidade. Com música de Igor Stravinsky e coreografia de Vaslav Nijinsky, o balé estreou em Paris há exatos 100 anos, na noite de 29 de maio de 1913, para nunca mais ser esquecido. As ensurdecedoras vaias no Théâtre des Champs-Élysées ecoaram como o grito agonizante de uma burguesia conservadora frente àquela novidade estética. O enredo é relativamente simples: baseada em uma antiga lenda russa, a peça narra a imolação de uma virgem, oferendada aos deuses da primavera em troca da fertilidade da terra. A jovem eleita dança freneticamente até a morte. As inovações, entretanto, residiam na forma de apresentar o ritual pagão ao público. A música composta por Stravinsky subordinava melodia e harmonia ao ritmo. Seu andamento era assimétrico e complexo, com acentos perturbantes. O discurso sonoro, que se aproxima do ruído e tem claramente uma intencionalidade dramática, dava especial relevo para a percussão e para as repetições. Na dança, Nijinsky igualmente inovava ao introduzir tremores, espasmos e contorções na sequência dos dançarinos, que também golpeavam com os pés um palco acostumado à leveza das sapatilhas. Tudo parecia espelhar o espírito da barbárie e do primitivismo. Na montagem do Ballet de Londrina, Leonardo Ramos optou por uma versão não orquestrada da partitura de Stravinsky. Ela é executada por quatro pianos, que fazem o papel de todos os outros instrumentos. O cataclismo sonoro que brota do timbre pianístico, porém, logo encontra complementação na percussão dos corpos em choque com o tablado ou no sopro ofegante da respiração dos bailarinos. Esta é, aliás, das mais agressivas e pungentes coreografias já apresentadas pela companhia, que, este ano, completa 20 anos. Desde a primeira cena, o que se vê é um embate cego entre forças rivais, um movimento frenético e devastador que elege algozes para subjugar vítimas inofensivas, um confronto sem perdão que sufoca os raros lapsos de lirismo. Para tanto, o elenco desdobra-se em formações - ora individuais, ora coletivas; ora sincrônicas, ora tenazmente díspares - que ocupam principalmente os planos médio e baixo. A conjugação de corpos estendidos horizontalmente faz lembrar a geografia da natureza em constante transformação e em feroz avanço sobre si mesma. Há a dominância de quedas e lutas corporais, sem que para isso os bailarinos precisem elevar-se do solo em grande medida. O ser humano é o lobo de si, e nessa dual divisão de opostos evidencia-se sobretudo o maniqueísmo entre o mais fraco e o mais forte. Se em Decalque (2007) impera uma espécie de androgenia das personagens irmanadas pelo amor, e em Para Acordar os Homens e Adormecer as Crianças (2009) a divisão se dá menos pelo gênero que pelo jogo inocência/maturidade, na Sagração há clara ambivalência entre o masculino e o feminino. O confronto entre animus e anima chega a cabo pela devoração desta por aquele, num nítido exemplar do furioso desejo da natureza frente à sedução de uma virgem. Leonardo Ramos amplifica o significado da feminilidade, dedicando sua versão da Sagração às mulheres, como “símbolo de todas as minorias”. Ao modo de uma Guernica de Picasso (obra pictórica que inspirou o coreógrafo), a montagem do Ballet de Londrina parece desenhar-se em linhas rígidas e monocromáticas. O figurino em tons de bege cobre os dançarinos para mostrá-los. Estes homens primordiais, vestidos pela nudez de suas próprias peles, movem-se num cenário vazio, recoberto apenas pelo linóleo terroso. Tais elementos (ou ausências) evidenciam o primitivismo e a universalidade do tema. As cenas do palco são duplicadas e invertidas pela colocação de espelhos na parte alta. “Não é um cenário, mas uma maneira funcional de auxiliar a plateia a ver certos momentos do espetáculo, que está muito grudado ao chão”, explica Leonardo Ramos. A economia nos aspectos figurativos, entretanto, é compensada pela explosão simbólica da movimentação coreográfica. A dança parece contar, por si só, a história de crueldade, ao passo que propõe uma linguagem própria para narrá-la. “A minha idéia nos últimos dez anos é que eu não use mais nada afora a dança; continuo acreditando que ela é capaz. Este é talvez o trabalho em que eu tenha tido mais oportunidade de ter cuidado com cada momento da coreografia”, reforça. Cem anos após a montagem original, o Ballet de Londrina mostra a atualidade do tema da Sagração, bem como o potencial de ressignificá-la. A tarefa ganha ares de desafio: ao longo do século XX, os mais célebres coreógrafos encenaram versões bem particulares da obra de Stravinsky, dentre eles o francês Maurice Béjart (1959), a americana Martha Graham (1984) e a alemã Pina Bausch (1975), dona da tradução mais conhecida. Na alvorecer de um novo século, a companhia londrinense parece trazer inédita reflexão sobre o papel do homem nesse labirinto perverso que o conduz rumo à finitude. Nas palavras do coreógrafo, “o mundo continua muito primitivo e cercado de horrores; no momento em que a gente se volta cada vez mais para fora, num contexto cada vez mais tecnológico, temos de buscar, através da arte, um ‘para dentro’, uma investigação do ser humano”. Prova de que já são outras flores – mais espinhosas - que garantem a eterna renovação da primavera.

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