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Exposição Eduardo Sued em BH, lançamento dia 09 de junho

Confira a programação

Em meio ao burburinho e à velocidade do mundo  contemporâneo, a pintura de Eduardo Sued se sobressai por  sua fisicalidade e seus largos e generosos campos de cor. Tudo  aqui conspira a favor da história; o artista é o elo de uma  corrente, segue os caminhos e a sua sina é reescrever fábulas e  mistérios da existência e da consciência humana. Ele é  personagem atemporal em sua permanência no silencioso  embate da pintura com o mundo.  

Em sua longa trajetória profissional Eduardo Sued sempre  identificou na história a sua companheira de trabalho. O  artista referencia-se diretamente às estratégias articuladas  inicialmente por Edouard Manet e principalmente à escala de  graus e valores cezanianos que estruturam o espaço moderno  bidimensional. A partir dessa definição seminal de ação  artística, Sued atua na incorporação de referências e vetores  distintos para criar uma obra que dialoga sobre o papel da  arte nesses tempos supostamente líquidos onde vivemos e  afirma fisicalidades em meio às dominações virtuais  determinadas pela cibernética. 

Os espaços vibrantes determinam a ação substantiva da cor  onde cada uma, individualmente, provoca e sugere descobertas;  o contraste entre elas atua na interseção de conjuntos criando equações de extrema potência visual e inteligência plástica. Por isso, a superfície pictórica em Sued é repouso e inquietude, afirmação e provocação. Com maestria o artista conduz o olhar e direciona a cena para as margens, deslocando o tradicional local da ação pictórica e colaborando para a criação de verdadei ras “arapucas” abstracionistas. 

Seus quadros remetem a inúmeros momentos e verdades da  chamada arte moderna, conectando, por exemplo, o colorismo  esperançoso de Matisse às construções assimetricamente  precisas de Mondrian. Há também nessas pinturas uma espécie  de referência melancólica ao “fantasma” da pintura. Aquele  que não é visto, que se origina do reflexo do outro e se  estrutura no imponente mistério das paisagens silenciosas e  das naturezas mortas morandianas que Sued recria e  transforma. Em meio a essas referências o artista afirma a  história como ferramenta dialética de ação e transformação,  e “à la Manet” delas se apropria, utilizando-as como  trampolim para uma obra comprometida com seu tempo  e voltada para o futuro. Suas pinturas, afirmativas da  modernidade, são também, dispositivos visuais que se  contaminam por formas, contrastes, texturas, ironias e  assumidas contradições trazidas não somente da arte  europeia, mas também de sutis elementos oriundos do universo  Kitsch e pop/popular nacional. 

Na confluência dessas ações a placidez pictórica de  Eduardo Sued atua como armadilha de uma obra jovem e  inquieta. Às vésperas de comemorarmos o centenário  desse artista referencial da arte brasileira, a reunião desse  pequeno e valioso conjunto de pinturas acentua a  atemporalidade da atividade artística valorizando o talento e  a inteligência como pilares essenciais da beleza e da verdade.

Razão e Sensibilidade 

Olívio Tavares de Araújo  

Creio que a maioria das pessoas imagina a crítica de arte como uma  atividade desapaixonada, funda-da numa relação puramente objetiva entre  o crítico e a obra, resultando em conclusões construídas racionalmente segundo critérios estéticos pré-fixados. Certamente ela tentou e acreditou aproximar-se disso em outros tempos. Hoje, a própria noção de razão e emoção como instâncias independentes e radicalmente opostas no ser humano não é a da neurologia contemporânea, nem, portanto, a da es tética. Não nos acontecem na mente decisões em uma das duas áreas que não utilizem recursos da outra. Na prática, não há como separá-las. A crítica se faz com razão e sensibilidade, como a própria obra, que inevitavelmente as conjuga. Enquanto consista em um objeto tangível (com a arte conceitual é diferente), a obra exige um projeto – no mínimo dos mínimos, a intenção de produzi-la –, junto com uma operação física do domínio dos afetos: a da mão, que não será nunca uma máquina e habitualmente deixa seus rastros. Até nas obras em que a participação do acaso é decisiva, houve antes um voluntário gesto autoral a pô-lo em movimento. 

Dependendo do artista, a balança pende para um ou outro polo: para  obras predominantemente ra-cionais ou predominantemente emocionais –  como, por exemplo, as dos concretistas dos anos 1950 versus a de Iberê  Camargo. Serão obras mais apolíneas ou mais dionisíacas, para usar os  termos consagrados no plano da história da arte, inventados por Nietzsche  na segunda metade do século XIX, ao estudar a Grécia clássica. Até  então, o Helenismo concebia uma Grécia toda branca, tal como seus  templos, harmoniosa, ordenada, lúcida, tranquila – a apolínea (palavra  evidentemente derivada de Apolo, o deus da luz e da beleza que  resulta do e implica no equilíbrio). Coube ao filósofo alemão  perceber o simultâneo fervilhar subterrâneo de outra Grécia, cheia de  paixões, dor e sangue, que chamou dionisíaca (de Dioniso, o deus  do vinho, da embriaguez, das festas, do teatro, e símbolo da  irracionalidade). A civilização olímpica que aprendemos na escola é  uma superestrutura idealizada. Dentro da própria cultura-mãe do  pensamento ocidental, os derrotados numa batalha eram escravizados –  ou simplesmente passados em massa pelas armas. Aliás, os templos  gregos não eram brancos, eram intensamente coloridos. Ficaram brancos  porque foram lavados por vinte séculos de chuva.  

Desde Nietzsche, apolíneo e dionisíaco tornaram-se categorias estéticas,  atualmente um tanto desu-sadas, é verdade, mas ainda úteis, como no  caso de Sued. Tudo o que penso sobre sua pintura vem da observação da  obra.

Não o conheço pessoalmente, jamais conversei com ele, não pude sentir  sua aura – o que, dentro da crítica culturalista de hoje em dia,  traria informações muito bem-vindas, a esclarecer e enriquecer  valores e significados. Há setenta, oitenta anos atrás, houve uma escola  formalista de crítica literária anglo-americana, o “new criticism”, que  influenciou a das outras artes e exigia o bani-mento puro e simples da  figura do autor. Tudo a estudar-se era o texto – ou, no caso das outras  artes, o respectivo produto. Mas os ventos sopram em diversas direções e  hoje pratica-se o contrário. Até a orientação sexual de um artista passou a  integrar a discussão da obra. A verdade é que me considero pouco versado  em Sued, que só acompanhei de longe. Quando em meados dos anos 70  encontrei-me com sua pintura, que então se revelava nacionalmente,  não hesitei em considerá-lo um apolíneo puro. Apesar de utilizar a cor  – coisa que apolíneos ainda mais radicais, como os concretistas,  consideravam um pecado romântico –, seus quadros abstratos  geométricos provinham de um espírito rigoroso e equilibrado,  traduzido no uso exclusivo de ângulos retos e na largura igual de faixas  verticais coloridas. A mesma composição era repetida, variando o conteúdo  cromático, tal como na série “Homenagem ao Quadrado”, de Joseph  Albers. Não sei se era tudo o que Sued fazia, mas era o que  aparecia. Pintura respeitabilíssima mas que não me contagiava, em  virtude do que me parecia certa frieza. Sempre me incomodou a frieza de  qualquer natureza na arte. Tenho-me por um temperamento apolíneo  mas espero sempre, na e da obra, estremecimentos de vida sem os quais  ela me parece incompleta.

“Mudaria o Natal ou mudei eu?”, pergunta-se num verso Machado de Assis.  Mudamos ambos. Certa-mente tornei-me mais receptivo. Certamente  Sued tornou-se mais generoso. A pintura desta exposi-ção, por sua  postura e correta inserção histórica, suscita-me admiração, quando  criticamente encara da. Mas me desperta também adesão e empatia,  possibilitadas por um deleitoso jogo entre mergulhar em tranquilos  campos de cor e fazer transitar o olhar pelas áreas e frisos que os  cercam, e que chegam a ser lúdicos e inquietos. Obviamente são  construídos com intuição e gosto, não segundo um projeto. Bem  observou Marcus de Lontra Costa que os acontecimentos pictóricos  se deslocaram para as bordas dos quadros, onde predomina a oficina  da invenção. Sem deixar de ser religiosamente geométrica, firmemente  ancorada em Apolo, essa pintura contém uma evidente carga  expressiva, discretíssimas reverências a Dioniso, que está sempre por  perto quando se pronuncia o vocábulo prazer. Simetricamente consegue  exprimir, uma dramaticidade severa, através dos quadros de colorido  muito escuro, que são a maior parte. Curiosamente, pode-se  observar o mesmo fenômeno em Tomie Ohtake, nos quadros pintados após  os 90 e tantos anos. Seria ingênuo falar na percepão da morte – até porque  ninguém lhe sabe a cor. Pode ser branca. Mas seguramente trata-se do  privilegiado acesso a algum mistério.

Para chegar à sua síntese final, Sued perpassou por movimentos interiores  que não ouso chamar dionisíacos, pois os fogos escuros de Dioniso não  queimam dentro de seu temperamento claro como pintor. (Como ser  humano, não sei). Depois de muito tempo usando um pincel estrito e magro,  a criar superfícies perfeitamente lisas, passou a incorporar na linguagem o  relevo da tinta sobre a tela, deixan-do visível a dança de seu gesto – coisa  que os construtivistas ortodoxos consideravam, também, um pecado de  subjetividade romântica. Em outro momento (ou em outros momentos?) as  composições ortogonais explodiram, estilhaçando-se em quadriláteros  irregulares. Há três quadros dessa família na presente exposição. São tão  diferentes da integração formal dos demais que dificilmente lhes identifi caríamos o autor, se os encontrássemos soltos à nossa frente. Não são  pacíficos nem contemplativos – são guerreiros. Mas tampouco significam  renúncias. No mesmo ano, dos três aqui presentes, 2010, Sued pinta  quadros geométricos da mais nítida estirpe apolínea, como se pode ver  neste catálogo. 

Daí o bonito título que escolhi para este texto – roubado a um ilustre  romance de Jane Austen, publicado no começo do século XIX.  Decididamente Sued e sua pintura sempre foram e sempre serão apolíneos,  mas estão vivos e por isso não se calcificam numa ortodoxia estética e/ou  ideológica. Vão longe os tempos em que eu o sentia como frio. Sua arte  hoje é acolhedora e cálida, a provar que não existe sensibilidade sem razão  e vice-versa. Pouquíssimas vezes se encontra fusão tão perfeita. 

P.S.: E que colorista magnífico!

Abertura 
Segunda-feira, 9 de Junho de 2025 19:30 horas 
Até 27 de Junho de 2025 
Segundas a sextas-feiras das 10 às 18 h Sábados das 10 às 13 h

Foto: Divulgação

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