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Estreia de “Fábrica de Nuvens” propõe reflexão sobre a sociedade contemporânea e o sentido do trabalho
Entre os dias 4 e 10 de junho, instituição fictícia leva espetáculo e exposição de artes visuais ao Teatro Espanca! Criado a partir de argumento original, levado aos palcos na 6a Mostra Cena Breve Curitiba e no 13o Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, o espetáculo “Fábrica de Nuvens” estreia no próximo dia 04, no Teatro Espanca!, em Belo Horizonte, e propõe ao público uma reflexão ao mesmo tempo critica e bem-humorada sobre a sociedade em que vivemos. Nesta crônica sobre as faltas e os excessos dos nossos dias, acompanhamos a rotina de quatro funcionários de uma bem-intencionada ONG internacional chamada Fábrica de Nuvens. Em meio a condições, nem sempre favoráveis, eles realizam conferências que visam o recrutamento de voluntários para a principal ação do projeto: o envio de grandes embarcações tripuladas para os dois pólos do planeta. Um inesperado acontecimento, contudo, acaba mudando os rumos da palestra, fazendo com que os personagens revelem singularidades, desejos e relações com o próprio trabalho. A partir de então, eles rompem a barreira funcional que inicialmente os separava do público e acabam atribuindo novos sentidos ao encontro com a plateia e à própria ideia de partir em direção aos pólos. No que se refere ao campo temático, o espetáculo oferece uma perspectiva crítica e bem-humorada acerca das hipocrisias que rondam a vigente preocupação “global” sobre a ideia de sustentabilidade, além de chamar atenção para o estado presente da existência humana, muitas vezes desprovida de sentido e aprisionada em relações meramente funcionais. No que toca a estética do espetáculo, destaca-se o profundo diálogo estabelecido com o campo das artes visuais, a partir de uma proposta cenográfica e dramatúrgica que incorpora três videoinstalações realizadas pelo mineiro Leandro Aragão – “Ambulante”, “On Air” e “TV Greenhouse” (inédita). Criados a partir de técnicas de gambiologia, esses trabalhos contaminam toda a concepção cenográfica do espetáculo, baseada em recursos e equipamentos relacionados ao improviso e a baixas tecnologias. O espetáculo foi patrocinado pelo Fundo Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte. A exposição - Nesse sentido, a passagem da Fábrica de Nuvens pelo Teatro Espanca! inclui uma exposição de artes visuais que poderá ser visitada pelo público, em horários alternativos, durante toda a temporada. Entre os elementos presentes nessa exposição, estarão as videoinstalações mencionadas, assim como outras estruturas cenográficas, figurinos e objetos ligados a cada um dos personagens, fortalecendo a ideia do cenário como um ambiente de trabalho habitado por essas quatro pessoas, no qual se equilibram suas singularidades e as padronizações impostas pela empresa. Comentário crítico, por Valmir Santos - Aquecimento global e sustentabilidade. Seus efeitos já deram tanto o que falar e capitalizar nos dias de hoje que esta cena vem contribuir com uma percepção bem humorada, como a relacioná-los com as platitudes pessoais. A dramaturgia de Daniel Toledo, também diretor e ator, combina o discurso objetivo do cientista na conferência sobre o seu projeto de fabricar nuvens para gerar energia limpa, ávido pelo patrocínio, com as inferências subjetivas da moça que está no mesmo ambiente e, aos poucos, é descolada e ganha mais corpo na narrativa. O celeiro da razão relativa serve como contrapeso ao discurso claramente nas nuvens da mulher, talvez uma funcionária, uma secretária. Ela desfila seu verniz de auto-ajuda, sua pseudofragilidade diante da violência da moça do caixa que lhe atira as moedinhas na hora do troco; seu compadecimento pelo velhinho que quebrou o carro na hora do rush e não sabe se alguém foi socorrê-lo; sua desolação pelo quintal da casa que recém-comprou porque bate sol, mas passa o dia todo fora e dele nada desfruta, restando-lhe o alívio de deixar os móveis tomando banho de sol enquanto trabalha. Essas compensações corporativas e íntimas são hilariantes. A paulatina dissolvência do espaço cênico, o cientista e a mulher com suas respectivas malas de viagem se retirando de fininha, essas situações todas constituem exemplos da consciência crítica da realidade pelos criadores que provocam de modo inteligente o riso diante das obsessões que de quando em quando acometem a humanidade ou o indivíduo de forma tão bem sustentável. Comentário crítico, por Luciana Romagnolli - A fábrica aludida no título tem uma dupla função. Ser uma ficção científica futurista e uma metáfora metafísica para a saturação do viver. O dramaturgo cria então uma situação concreta de relação trabalhista em que os personagens se definem por suas funções: uma síntese da vida corporativa, com elementos reconhecíveis tais como a ginástica laboral e os formulários. Contudo, esse microcosmo recebe um tratamento antirrealista, que ressalta o esvaziamento do tempo, dos diálogos, das relações e das próprias experiências pessoais, permitindo uma leitura crítica das consequências do aprisionamento das identidades e da falta de sentido do que se produz num contexto em que o trabalho é a atividade dominante do indivíduo – aquela com qual mais gasta seu tempo e sua energia. A problemática ambientalista e a proposição de uma solução para o aquecimento global ocupam os discursos oficiais – do palestrante, dos vídeos, das conferências telefônicas. É a camada mais evidente, de primeira aproximação com a obra. Mas a ampliação de seus sentidos se dá sob essa superfície, nas entrelinhas desses discursos e nas falas espontâneas, como o monólogo coloquial de Margaret, através das quais escapa algo da subjetividade reprimida na estrutura massificante do trabalho. Na esfera pública, essa irrupção do privado funciona como uma bolha de ar que abre algum espaço para o ser. A dramaturgia tematiza o esvaziamento (a falta) e a saturação (o excesso) como duas faces de uma mesma realidade contra a qual o indivíduo se debate. Daí as metáforas do morrer de tédio (o excesso da falta) e do transformar-se em nuvem – mudar de estado físico e desaparecer como uma forma de reconfiguração utópica da experiência sensível. Coerente com esse desequilíbrio de um vazio saturado, os personagens apresentam um subtexto de incômodo ou angústia encoberto pelos tais discursos oficiais e pelo silêncio, preponderantes. Mesmo os jorros de subjetividade são dispersos – caso de Margaret e Janet. Eles trazem o componente de sonho relacionado à viagem, uma linha de escape para o cotidiano tedioso. É nesses contrassensos – dos pequenos absurdos à seriedade da realização da ginástica laboral ao som de “The Show Must Go On”, do Queen – que o autor deposita senso de humor, estabelecendo uma comicidade sutil. Sobre o autor - Daniel Toledo é criador em artes cênicas e audiovisual, além de mestre em Sociologia da Arte pela UFMG. Entre seus trabalhos autorais, está o espetáculo "Proibido Deitar” (selecionado para o FIT BH 2010), assim como os documentários "Homo scaenicus" e "O Nome é a Última Coisa que Escolhe”, realizados em parceria com André Hallak. É ainda roteirista assistente do longa-metragem "Deserto Azul", de Eder Santos, e diretor assistente dos espetáculos “Delírio & Vertigem” (2012) e "Doce Ismênia" (2011), ambos de Rita Clemente. Ao lado do artista colombiano Yury Hernando Forero, realizou as performances “Lavado de Activos” e “Ama Zonas”. Com os mineiros Froiid e Desali, realiza periodicamente a ação performática “Leilão de Arte Piolho Nababo R$1,99”. Desde 2010, atua como repórter e crítico cultural no Jornal O Tempo, além de colaborar para publicações sobre arte contemporânea, tais quais a revista “Das Artes” e os livros "Perpendicular Casa e Rua", "Habitar o Deserto: JA.CA Ano 1" e "Intervalo, Respiro, Pequenos Deslocamentos: Ações Poéticas do Poro". Sinopse - Quatro funcionários executam suas tarefas em um setor qualquer de uma curiosa Fábrica de Nuvens. Mas se os corpos estão ali, presos a cadeiras, fios e funções, as cabeças parecem estar em outro lugar. Ficha técnica Direção e dramaturgia: Daniel Toledo Atuação: Bianca Fernandes, Daniel Toledo, Martim Dinis e Regina Ganz Assessoria artística: Marcelo Castro Assistência de direção: Bianca Fernandes Direção de arte: André Hallak, Daniel Toledo e Leandro Aragão Criação audiovisual: André Hallak Criação de videoinstalações: Leandro Aragão Criação de som: Alexandre de Sena Criação de luz: Jésus Lataliza e Marina Arthuzzi Gambiologia: Ananda Ibis, David Pampolini, Erickson Henrique, Frank Soarbine, Gustavo Soares, Hannes Neubauer, Ismael Vaz de Araújo e Lucas Valadares Produção: Barão Fonseca (Trem Chic) e Regina Ganz Realização: TAZ Parceria: Espanca! Duração: 50 minutos Classificação: Livre
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