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“O Rinoceronte” Pela primeira vez no Brasil, Théâtre de La Ville – Paris apresenta um clássico do gênio do teatro do absurdo, Eugène Ionesco
Encenada em francês, com legendas em português, montagem estará em cartaz no Grande Teatro do Cine Theatro Brasil Vallourec nos dias 22 e 23 de maio
O romeno Eugène Ionesco (1909-1994) preferia chamar sua produção dramatúrgica de “teatro insólito”, ao invés de “absurdo” - termo pelo qual acabou sendo conhecida. Para ele, absurdo apontava para a incompreensão e a palavra insólito evocava ao mesmo tempo pavor e fascínio diante da insensatez e das estranhezas do mundo. “Wonder is my basic emotional reaction to the world” (algo como “o deslumbramento é a minha costumeira reação ao mundo”), escreveu Ionesco em Notes et contre-notes (Editions Gallimard, Paris, France, 1962).
Realizado pelo Cine Theatro Brasil Vallourec, as apresentações de “O Rinoceronte”, nos dias 22 e 23 de maio, serão uma oportunidade única para o público belo-horizontino conhecer um clássico do autor a partir de interpretações elogiadas mundo afora. Em sua primeira visita ao país, a companhia residente do Théâtre de la Ville – Paris fará duas apresentações no Cine Theatro Brasil Vallourec, sob a direção de Emmanuel Demarcy-Mota – encenador franco-português, que dirige o celebrado palco parisiense desde 2008. Encenadas no idioma original, as apresentações trazem legendas em português.
Sobre “O Rinoceronte”
“O rinoceronte é conhecido como um animal teimoso, obstinado, assim como eu. Quis fazer com que essa estranha peça fosse revista e provocasse novas reações”, explica o diretor. A fábula escrita por Ionesco em 1959 teve sua estreia em Paris no ano seguinte, dirigida e estrelada por Jean- Louis Barrault; em 1961 subiu à cena em Londres, com Laurence Olivier no papel principal e direção de Orson Welles, e em Nova York, com Zero Mostel. Tida como uma parábola à invasão da Europa pelo fascismo, que ecoa Kafka, “O Rinoceronte” traz o horror atemporal do que Ionesco chamou de histeria coletiva, passada adiante a bordo de ideologias.
O argumento é simples: num vilarejo, a população vai gradual e inexplicavelmente se transformando em rinocerontes, à exceção de um de seus habitantes, Bérenger, que assiste à transmutação de todos. “Procurei fazer com que as camadas de significado emergissem, como numa escavação arqueológica em que topamos com um tesouro oculto. Nesse mundo em transformação, a parábola de Rhinocéros se presta a incríveis novas interpretações”, prossegue o encenador.
O indivíduo versus o rebanho, a fuga da solidão, a aceitação das diferenças, a invasão da estranheza que reverte o conceito de normalidade – no final, estranho é o homem que resta – são conceitos que Ionesco propõe em vertiginosa progressão, e que Demarcy-Mota apresenta numa espetacular “obra prima de um grupo e de cada ator em caos coreografado”, como descreve o crítico Robert Hurwitt, do San Francisco Chronicle. “Rebanhos são gangues, grupos, associações, empresas, partidos onde dependemos das ideias de outros, que acabam se tornando as nossas
ideias”, reflete o diretor.
Não há líder ou ditador no bando de paquidermes. “É uma servidão autoinflingida. A alegoria é mais próxima de uma epidemia, de uma praga. Nos tornamos rinocerontes por covardia, preguiça, conveniência; não há chefe, há a vizinhança, eu, você, a sociedade de consumo mecânico. Os rinocerontes vencem e eu, Bérenger, tenho que me retirar do mundo”.
Frequentemente classificada como “magistral”, a interpretação do desesperado Bérenger foi entregue a Serge Maggiani. O personagem, aliás, é uma espécie deleitmotiv – a figura semi biográfica - de Ionesco, desde sua segunda peça, Tuer sans Gages (O Assassino), ao expressar a angústia e o estranhamento diante do mundo em sua expressão ingênua, que conquista a empatia do público. Bérenger retornaria em diversas obras, como “Le Pieton de l’air” e “Le Roi se Meurt”. Destaca-se ainda o trabalho físico de todo o elenco, às vezes coreográfico e às vezes acrobático, desenvolvido na atmosfera inquietante que o encenador cria com cenários e iluminação.
Como uma orquestra
O mesmo time de atores que estreou em 2004, no Théâtre de la Ville, a produção de O Rinoceronte dirigida por Demarcy-Mota foi reunido há quatro anos para a reencenação do clássico. A maioria deles vem trabalhando com o diretor há mais de dez anos em produções como Trabalhos de Amor Perdidos (Love’s Labour’s Lost), de Shakespeare, Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, Um homem é um Homem (Mann ist Mann), de Brecht e diversas premières, tanto na capital francesa como em turnês planetárias.
Desde o início, o diretor vem trabalhando a obra de Ionesco “como uma espécie de laboratório permanente”, conta. Demarcy-Mota encara sua trupe como “uma orquestra em que cada integrante descobre seu instrumento e sua sonoridade, ao passo em que o maestro (que desaparece na noite de estreia) deve trabalhar para adequar o conjunto em afinação, ritmo, interpretação”.
Sobre Emmanuel Demarcy-Mota
Nascido em 1970, é filho da atriz portuguesa Teresa Mota e do diretor e dramaturgo francês Richard Demarcy. Aos 17 anos, fundou o grupo Millefontaines com seus colegas do Liceu Rodin, experiência que prosseguiu na época em que estudou na Sorbonne, abordando aas obras de muitos autores europeus, como Büchner, Shakespeare, Pirandello, Brecht, Kleist. Nomeado em 2001 diretor da Comédie de Reims, inaugurou uma fase de grande atividade na política cultural, criando um Coletivo artístico e um centro de pesquisas.
Em 2004, montou pela primeira vez “O Rinoceronte”, de Ionesco e, em 2007, “Homme pour homme”, de Brecht, ambos no Théâtre de la Ville. Assumiu a direção do Théâtre em 2008. É também presidente da Anrat (Associação Nacional de Pesquisa e Ação Teatrais), que reúne professores e artistas envolvidos em ações de educação artística. Recebeu em 2010 o prêmio Plaisir du Théâtre SACD pelo conjunto de seu trabalho. Em junho de 2011, foi nomeado diretor do Festival d’Automne à Paris.
Em 2012, montou Victor ou les Enfants au Pouvoir, de Roger Vitrac, apresentou Suite Ionesco no Théâtre aux Abbesses e nos liceus de Paris, além de levar a recriação de Rinoceronte em turnê de um mês pelos Estados Unidos (Los Angeles, San Francisco-Berkeley, New York, Ann Arbor-Michigan). Em 2014, montou Le Faiseur, de Balzac, no Théâtre aux Abbesses e remontou Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, em turnê pela França e pelos Estados Unidos.
Sobre Eugène Ionesco
(Slatina, Roménia, 26 de Novembro de 1909 — Paris, 28 de Março de 1994)
Filho de um advogado romeno e de mãe francesa, foi batizado na religião ortodoxa, à qual pertenceu durante toda a vida. Ainda criança mudou-se com a família para Paris. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, seu pai voltou para a Romênia, deixando Eugène e sua irmã aos cuidados da mãe. Entre 1917 e 1919, ainda criança, de saúde frágil, morou em La Chapelle Anthenaise.
Em 1922, voltou ao seu país para terminar os estudos - cursou Francês na Universidade de Bucareste - e começou a trabalhar num banco, em 1926. Ionesco colaborou com diversos revistas literárias romenas. Em 1934 publicou Nu! (“Não!”), uma coletânea de artigos e textos que criticava muitos escritores e poetas romenos e que escandalizou o meio literário oficial.
Casou-se em 1936 com Rodica Burileano, trabalhando na época como professor de francês e como editor das páginas literárias de revistas e jornais. Em 1938, recebeu uma bolsa do governo romeno para estudar literatura francesa em Paris. Durante a Segunda Guerra Mundial, passou por dificuldades financeiras e sobreviveu com trabalhos eventuais, como revisor; traduziu na época as obras do poeta romeno Urmoz.
Em 1948, escreveu a peça “A Cantora Careca”, que estreou em 1950, uma comédia surreal que tornou-se uma das principais obras do teatro do absurdo. Em 1960 estreou sua obra mais conhecida, “O Rinoceronte”. Suas peças, como “A Lição”, “As Cadeiras” e “O Novo Inquilino” marcaram o teatro do século 20. Já um escritor de prestígio, em 1971 foi admitido na Academia Francesa. Morreu aos 81 anos, em sua residência, e foi enterrado no cemitério de Montparnasse.
Foto: Divulgação
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