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Cazuza, Cristo

Por Saulo Barbosa (*)

 

Poucos artistas brasileiros foram tão contestadores quanto Cazuza. Seja do ponto de vista pessoal, econômico ou social o músico deixou uma obra incrível, repleta de questionamentos. Muitos ainda incompreendidos e totalmente atuais.

 

O musical ‘Cazuza – pro dia nascer feliz’, que encerrou temporada de sucesso, domingo, no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, é assertivo em todos os aspectos.

 

Concebida por Aloisio de Abreu a peça biográfica traz o ator e cantor Emílio Dantas (foto) na pele do “maior abandonado”. Uma atuação surpreendente e tocante. Ao seu lado, nomes que enriquecem o teatro brasileiro como o ator André Dias, que vive o produtor Ezequiel Dias. Grande destaque. Além de Susana Ribeiro, interpretando Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, e Marcelo Varzea, que dá vida a João Araújo, o pai.

 

A peça tem cenário único - criado por Nello Marrese – lembrando a estrutura de um palco. O espaço é versátil, dá agilidade às cenas e serve bem aos atores que se desdobram em cenas fortes.

 

‘Cazuza – pro dia nascer feliz’ é essencialmente um espetáculo de atores. A direção de João Fonseca é primorosa e dispensa firulas cênicas. Os atores trazem consigo toda a carga e a emoção de uma vida conturbada e controversa, na absoluta contramão do senso comum. 

 

Sucessos como Maior Abandonado, Brasil, O Tempo Não Para, Preciso Dizer que Te Amo, Por que a Gente É Assim? e Ideologia, permeiam 150 minutos de apresentação, perfeitamente preenchidos.

 

A obra de Cazuza está intrinsecamente ligada ao contexto econômico e social que o Brasil vivia na década de 80, no pós-ditadura, com predominância de uma sociedade ultraconservadora. Uma sociedade incapaz de olhar para si mesma, assimilar fraquezas e entender para onde caminha. Neste aspecto, aliás, a verdade é que pouca coisa mudou de lá para cá.

 

É este contexto que motiva o inquieto Cazuza a uma produção artística magistral, sem precedentes na história da música brasileira. Poeta de gosto apurado, transforma em música toda a sua contestação com bom humor e muito deboche.

 

 Os musicais autorias que tomaram força no Brasil configuram oportunidade única de promover uma ampla reflexão não só sobre o trabalho e a obra dos artistas homenageado mas também sobre o espaço de tempo no qual se passam. São espetáculos que utilizam recursos até então pouco explorados por aqui, com capacidade de fazer um registro histórico atrativo e próximo do público.

 

Viva Cazuza - A Sociedade Viva Cazuza, criada logo após a morte do músico, sediada no Rio de Janeiro, cuida hoje de dezenas de crianças e jovens, pobres, portadores do vírus HIV. A instituição sobrevive com o dinheiro recebido pelos direitos autorais da obra do artista, além de doações.

 

Lutando contra a discriminação, a organização mantém viva a ideologia que Cazuza cantou. Pelo menos para essas crianças, marginalizadas, que lá encontram condições de tratamento digno e a possibilidade de reinserção social, Cazuza é um cristo. 

   

(*) Jornalista. Crítico de artes. 

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